quinta-feira, 24 de março de 2011

Como implantar um processo de Inteligência Competitiva em organizações

Artigo produzido por Frederico Cesar Mafra Pereira
Consultor Sênior da Global On Consultores Associados
Este artigo metodológico tem como objetivo apresentar, de forma sucinta, as principais fases de um processo de implantação efetiva de uma atividade de Inteligência Competitiva em organizações (IC). Com isso, o leitor será capaz de compreender tal processo, de forma objetiva e aplicada.

Introdução

A Inteligência Competitiva (IC) é uma atividade cada vez mais demandada pelas organizações, dada a necessidade de estarem sempre alertas ao que acontece em seu meio ambiente competitivo, de forma a não serem surpreendidas pelas ações dos diversos atores que influenciam seus negócios (clientes, concorrentes, fornecedores, governo, dentre outros). Dessa forma, seu principal papel é suportar a construção e revisão contínua dos cenários priorizados no processo de planejamento, identificando e analisando os sinais que prenunciam eventos cujas implicações impactem as estratégias e o posicionamento competitivo das empresas. Integrando o planejamento estratégico às atividades de marketing e de informação, a IC apresenta caráter multidisciplinar que envolve contribuições das áreas de Estratégia, Marketing, Tomada de Decisão, Ciência da Informação e Ciência da Computação.

Como um processo de coleta sistemática e ética de informações sobre as atividades dos concorrentes e tendências gerais do ambiente de negócios de uma empresa, a IC possui etapas básicas que são representadas no modelo denominado “Ciclo de Inteligência”: 1) Identificação das necessidades de informação; 2) Planejamento; 3) Coleta das informações; 4) Análise; 5) Disseminação e; 6) Avaliação.
Ciclo de Inteligência
Fonte: AMARAL et al., 2008.

Apesar do ciclo de inteligência ser uma das principais referências metodológicas da área de IC, ele se constitui em um arcabouço teórico que, na prática, não funciona da maneira unidirecional que se apresenta. Ou seja, um processo de estruturação e implantação de uma atividade de IC pode, inicialmente, ser baseado na metodologia do ciclo de inteligência, mas para ser aplicável, deve se adaptar ao processo de planejamento estratégico, aos objetivos do negócio e às expectativas da organização e/ou do setor de atuação. Muitas idas e vindas são necessárias para que o processo adquira o melhor formato, adequando-se à dinâmica do negócio, alinhando-se às demandas dos tomadores de decisão e gerando resultados eficazes.

O método proposto

Assim sendo, o primeiro passo de um processo para a implantação de uma atividade de IC deve ser a de entender o ambiente que envolve a organização, os atores e aspectos externos que influenciam na sua relação o setor de atuação e no desenvolvimento de seu negócio. Para tanto, deve ser utilizado o conceito de ambiente organizacional, o qual
... não é um conjunto estável, uniforme e disciplinado, mas um conjunto bastante dinâmico em que atua, constantemente, grande quantidade de forças, de diferentes dimensões e naturezas, em direções diferentes, e que muda a cada momento, pelo fato de cada uma dessas forças interferir, influenciar e interagir com as demais forças do ambiente. (OLIVEIRA, 2003)

O ambiente organizacional é caracterizado de diferentes maneiras por diversos autores, sendo que todas acabam refletindo os mesmos atores e variáveis[1].
O macroambiente é o ambiente mais amplo e genérico em que estão todas as organizações envolvidas direta ou indiretamente na atividade da organização... e este ambiente influencia de maneira semelhante todas as organizações. O setor de negócios é o setor específico de negócios da organização. É constituído por clientes ou consumidores, fornecedores, concorrentes e agências reguladoras... é o ambiente mais próximo e imediato da organização e é onde ela obtém seus recursos e coloca seus produtos e serviços. (CHIAVENATO e SAPIRO, 2003)
Ambiente organizacional
Fonte: Adaptado de CHIAVENATO e SAPIRO, 2003.


O segundo passo do processo é definir os usuários-chave a serem atendidos, bem como as suas necessidades de informação. Geralmente, a atividade de IC caracteriza-se como um projeto de cunho interno da empresa, com produtos que só são divulgados para os usuários em questão visando subsidiar suas decisões estratégicas[2]. As necessidades de informação dos usuários são identificadas a partir da compreensão de suas rotinas decisórias, as quais requerem embasamento de informações e análises mais aprofundadas. Tais necessidades informacionais representam, conceitualmente, as necessidades de inteligência destes usuários, e compõem a formatação dos tópicos-chave de inteligência, ou key intelligence topics (KITs) (HERRING, 1999). Os KITs proporcionam melhor foco e priorização dos esforços da atividade de inteligência para os temas informacionais considerados mais importantes pela organização e seus decisores, além de ajudarem na própria estruturação da atividade (número, perfil e habilidades requeridas dos profissionais de IC, tipos e quantidade de fontes de informação mínimas para suportar as necessidades de inteligência identificadas, tipos de produtos, etc.).

Portanto, a partir da realização de entrevistas individuais em profundidade (técnica exploratória qualitativa) junto aos decisores da empresa[3], e posteriormente sua análise, são definidos os KITs mais relevantes e indicados à proposta de estruturação da atividade de IC. Segundo Herring (1999), existem basicamente três categorias de KIT: 1) os tópicos de inteligência voltados a suportar as decisões estratégicas e táticas da organização (strategic decisions and actions); 2) os tópicos voltados à identificação e descrição de atores-chave do ambiente de negócios da organização (descriptions of the key-players) e; 3) os tópicos voltados ao monitoramento ambiental (early-warning topics). Para cada KIT devem ser descritos o tipo, seu objetivo específico, as questões-chave que devem ser respondidas (denominadas key intelligence questions, ou KIQs) e as ações e decisões suportadas.

A quarta etapa do processo refere-se à definição do portfólio de produtos de IC, os quais deverão apresentar características diferentes, mas ao mesmo tempo, complementares, em termos de periodicidade, foco, formato e até mesmo público-alvo.

Para a coleta das informações previstas em cada KIT, e conseqüentemente a elaboração dos produtos definidos, devem ser escolhidas fontes de informação consideradas as mais relevantes e confiáveis para a busca das informações de inteligência necessárias, bem como o próprio processo de coleta e filtragem das informações selecionadas[4]. A escolha das fontes deve se basear em levantamento prévio, considerando em primeiro lugar as principais publicações referentes a cada tema definido em cada KIT. Somadas a estas publicações, devem ser consideradas também as principais fontes citadas pelos decisores entrevistados como as mais utilizadas por eles na busca de informações para tomada de decisão e acompanhamento do ambiente de negócios.

Conclusões

A metodologia apresentada foi testada, inclusive, em organizações complexas, como Arranjos Produtivos Locais (APLs), e seu sucesso depende de alguns outros aspectos. Em primeiro lugar, o envolvimento e a crença da cúpula estratégica da empresa no projeto, desde o seu início, é fundamental para que o mesmo seja executado de forma completa, conseguindo gerar resultados práticos em pouco tempo. O feedback dos usuários das informações e produtos gerados pela inteligência também é fundamental para a consolidação da atividade e para o processo de avaliação contínua da IC.

Um terceiro ponto que pode potencializar um processo de IC refere-se à infraestrutura disponível para atividade (tecnologia e equipe). O ponto mais crítico relacionado à infraestrutura refere-se, com o passar do tempo, à necessidade de uma maior automatização do processo de coleta e organização das informações. Com o desenvolvimento natural que a atividade de IC acaba apresentando no futuro, é imprescindível o investimento em sistemas especializados de coleta e organização das informações, não só de fontes secundárias, mas também de fontes primárias (redes sociais).

Este último ponto que deve ser considerado como parte do processo de consolidação e avanço da atividade de IC. Já é notória a importância das informações obtidas via fontes primárias para o avanço e a melhoria do nível das informações e dos produtos de uma área de IC. Entretanto, a estruturação e a maneira mais correta de gerenciar as redes sociais e, principalmente, as informações que circulam nestas redes, é que têm se constituído em objeto de estudo e observação de diversos pesquisadores e empresas. Não se tem dúvida de que participar e tentar obter informações para inteligência via redes sociais deve ser o caminho a ser seguido pela atividade de IC; o que precisa ser bem estudado é “como fazer” este caminho de maneira menos teórica e mais pragmática.

Referências:
AMARAL, R.M., GARCIA, L.G., ALLIPRANDINI, D.H. Mapeamento e gestão de competências em inteligência competitiva. DataGramaZero - Revista de Ciência da Informação. Rio de Janeiro, v.9, n.6, dez., 2008.
AUSTER, Ethel, CHOO, Chun Wei. How senior managers acquire and use information in environmental scanning. Information Processing and Management, v.30, n.5, p.607-618, 1994.
BAPTISTA, Sofia Galvão, CUNHA, Murilo Bastos. Estudo de usuários: visão global dos métodos de coleta de dados. Perspectivas em Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.12, n.2, p.168-184, maio/ago. 2007.
BARBOSA, Ricardo Rodrigues. Inteligência Empresarial: uma avaliação de fontes de informação sobre o ambiente organizacional externo. DataGramaZero – Revista de Ciência da Informação, Belo Horizonte, v.3, n.6, dezembro de 2002.
CHIAVENATO, Idalberto, SAPIRO, Arão. Planejamento Estratégico: fundamentos e aplicações. Rio de Janeiro: Elsevier, 2003.
DAFT, R.L., SORMUNE, J., PARKS, D. Chief executive scanning, environmental characteristics, and company performance: an empirical study. Strategic Management Journal, v.9, n.2, p.123-139, 1988.
DEGENT, R.J. A importância estratégica e o funcionamento do serviço de inteligência empresarial. Revista de Administração de Empresas, v.26, n.1, p.77-83. jan/mar, 1986.
FREMONT, K. Scanning the future environment: social indicators. California Management Review, v.23, n.1, p.22-32, Fall, 1980.
GOMES, E.; BRAGA, F. Construção de um sistema de inteligência competitiva. In: STAREC, C.; GOMES, E.; CHAVES, J. B. L. (Orgs.). Gestão estratégia da informação e inteligência competitiva.  São Paulo: Saraiva, 2006. p. 111-123.
HERRING, Jan P. Key Intelligence Topics: A Process to Identify and Define Intelligence Needs. Competitive Intelligence Review, v.10(2), p.4-14, 1999.
HERRING, Jan P. Create an Intelligence Program for current and future business needs. Competitive Intelligence Magazine, v8, n.5, p.20-27, Sep-Oct, 2005.
KAHANER. L. Competitive intelligence: how to gather, analyze, and use information to move your business to the top. New York: Touchstone Books, 1998.
LODI, C. F. G. Planejamento por cenários e inteligência competitiva: integrando seus processos para tomar decisões estratégicas mais eficazes. In: STAREC, C.; GOMES, E.; CHAVES, J. B. L. (Orgs.). Gestão estratégia da informação e inteligência competitiva.  São Paulo: Saraiva, 2006. p. 111-123.
OLIVEIRA, Djalma de Pinho Rebouças de. Planejamento Estratégico: conceitos, metodologia, práticas. 19ª edição. São Paulo: Atlas, 2003.
TYSON, K. W. M. Competitor intelligence manual and guide. Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 1990.

[1] Vale destacar que o processo de definição e monitoramento de fontes deve estar sempre em constante avaliação, pois no dia-a-dia são verificadas possíveis novas fontes a serem agregadas ao trabalho de monitoramento, e outras podem ser removidas, caso as novas fontes consigam agregar mais informação ao processo.
[2] Entretanto, em algumas instituições de classe (como associações, sindicatos, federações, etc.), é possível desenvolver um processo de IC voltado para o público externo, ou seja, os associados, sindicalizados ou federados da instituição.
[3] Em estudos de usuários de informação, Baptista e Cunha (2007) destacam que a pesquisa qualitativa focaliza a atenção nas causas das reações dos usuários e na resolução de problemas informacionais, além dos aspectos subjetivos da experiência e do comportamento humano, com um enfoque mais holístico do que o método quantitativo de pesquisa.
[4] Degent (1986), Daft, Sormune e Parks (1988), Auster e Choo (1994), Barbosa (2002), Fremont (1980), Chiavenato e Sapiro (2003).

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